
Entrevista com Ferreira Gullar, um dos maiores críticos de arte do Brasil, que foi realizada pela Folha de São Paulo, em 18 de abril de 1993. Ferreira Gullar é autor do livro “Argumentação contra a morte da Arte” e é entre muitos nomes da Intelectualidade Brasileira, quem sabe mostrar a avalanche de porcarias produzidas pelos artistas contemporâneos, e que a nossa sociedade, está sendo imposta a ver e consumir.
Folha - O ponto de partida de sua "Argumentação contra a morte da arte" é a rejeição da idéia de que a arte evolui. Mas não existe de fato um aprimoramento técnico em certas linhagens?
Gullar - O que critico é essa supervalorização da idéia de evolução, que é o princípio da vanguarda. Quer dizer, valores estéticos não contam; só conta a novidade. Acontece que a idéia de vanguarda acabou. Esse princípio da inovação conduziu a um impasse e este aos absurdos que estão aí. Então a arte acabou!? Não há nada de novo para fazer. Claro, falo do novo pelo novo que é uma coisa autofágica. O novo é inerente à grande arte; nenhum poeta digno quer fazer o que já foi feito. Ele tem uma proposta, não quer dizer o que está dito.
Folha - Mas quais seriam esses "valores" estéticos?
Gullar - Permanência. É isso que é arte: a busca de fundar o permanente. Chegou-se, nas últimas décadas, ao cúmulo de criar a "arte do efêmero" do "perecível", o que é uma contradição em termos. O artista busca o permanente para assim motivar a realidade. Vou dar um exemplo. O Ibac está doando obras para o acervo do Museu Nacional de Belas Artes em breve. Outro dia encontramos lá uma coisa, que é um pedaço de ferrolho que era emendado com um pedaço de borracha. Não sei quem é o autor. Que vou fazer? Cadê o pedaço de borracha, como era a emenda? Esses caras negam a permanência da obra de arte, mas eles acreditam na "sublimidade" da arte, em que não acredito absolutamente. É só botar o ferrolho lá, que vem outro cara e escreve uma lauda complicadíssima. Transformamos o mundo de duas maneiras: ou poeticamente ou simbolicamente. Essa gente destrói a linguagem visual, mas consagram a verbal. Que revolução há nisso?
Folha - O público não gosta da arte contemporânea. O problema está nele, que não gosta da arte que exige esforço e conhecimento, ou isso é genuíno?
Gullar - Esse público se divide em dois. Existe o cara de cabeça acadêmica, que ainda não entendeu Picasso, e tenta nos imputar seu preconceito. E existe o outro lado: o cara que chegou a Picasso, Matisse, mas não é um estudioso de arte, não é um teórico, e portanto não entende nada.
Folha - Por que o sr. acha que as artes plástica, especificamente, descambara em tanta fajutice?
Gullar - Não sei. É uma boa pergunta, sempre me indago isso. Em todos os outros campos da atividade artística, o vanguardóide foi superado. Quando a coisa ameaça a própria natureza da expressão, há a percepção disso. todos reconhecem a arte, o gênio de "Finnegans Wake", de Joyce, mas ninguém vai tomar aquilo como exemplo, como modelo. Por que na pintura não se deu isso? Realmente não sei. Presumo que há um problema institucional. Bienais, centros culturais, os especialista, eles não se lixam para o público. Formam uma gangue, uma seita, que pouco se lixa para a sociedade. E o Estado paga isso; não entendo.
Folha - O que o sr. pensa "dois" gurus: um da geração anterior, Hélio Oiticica, outros desta, Cildo Meireles?
Gullar - Acho que exageram a importância de Hélio Oiticica. Ele foi vítima de um radicalismo; não é por acaso que se entregou às drogas no fim da vida. Lygia Clark foi mais importante, apesar de todo o talento do meu amigo Hélio. Os "Parangolés" só existem como teoria. Eu fui um desses teóricos, até que um dia senti um vazio debaixo dos pés. Cildo Meireles também tem talento. Vi uma instalação dele no começo da carreira que era bem interessante, criava uma atmosfera forte, tinha subjetividade. Mas das últimas coisas não gosto, não. Esse cerebralismo duchampiano teve sentido em determinada época, mas subsiste como arte.

Nenhum comentário:
Postar um comentário